domingo, 4 de julho de 2010

Pão com Salame e Refrigerante


Durante as sessões do curso de treinamento no Edital de Seleção dos Pontos de Cultura do Município de Governador Valadares-MG, uma questão foi muito bem discutida. E nem dizia respeito diretamente à pauta do treinamento.

O descaso para com o profissional artista é gritante, ainda mais nos arredores do Pico da Ibituruna.

É um axioma no meio cultural contemporâneo o seguinte quadro: hodiernamente os artistas (seja do teatro, dança, música, etc.) devem tratar a sua paixão como um hobby, uma vez que precisam se alimentar, sustentar uma família, pagar suas contas... e a prestação de serviços culturais que eles praticam, nas horas vagas, não lhes fornece teto suficiente. Tal fato compromete a qualidade de seu trabalho.

O ideal seria que o artista por vocação investisse todo o seu tempo na produção de obras culturais cada mais trabalhadas, com exímia qualidade técnica e conceitual. A prática, pesquisa, experimentação, construção, produção e vivência artística alcançariam um nível profissional e estético altamente embasado. Só que o artista não dispõe de tempo para se dedicar, ele está ocupado demais em seus empregos maçantes que lhe afastam de seus sonhos.

O representante da capoeira em Valadares, Nelson Nielson, lembrou bem uma realidade vivida por entidades artísticas como a Banda Lira 30 de Janeiro: As organizações da cidade aindam convidam e contratam os serviços da Banda oferecendo, em contrapartida, um lanche à base de pão com salame e refrigerante.

O artista não precisa mendigar pão com salame ou qualquer outra fonte de alimentação. Que sejam servidos lanches como complemento e agrado aos prestadores de serviços. Artista, como qualquer outro profissional, vive de dinheiro.

Ninguém oferece pão com salame ao contador que lhe presta serviços contábeis, nem ao advogado que lhe defende ante a justiça.

Tem que se acabar com essa imagem do artista como aquele que porpõe entretenimento como se por trás disso não estivesse horas de trabalho árduo e relação de erros-acertos.

O artista que precisa definhar em trabalhos não-artísticos para sobreviver não deve ser cobrado de maestria profissional. Não é culpa dele se a sociedade empresarial não lhe fornece outra alternativa.

Ou é o pão com salame e refrigerante ou é trabalho de qualidade: qual você escolhe?

3 comentários:

  1. Meu caro Maicon, sem falar na quantidade de artistas que se vêem obrigados a deixarem seus lares, sua terra natal, em busca de mais reconhecimento do seu trabalho. Quantos artistas valadarenses estão fora hoje? Pare para contar... é muita gente. Não vou dizer aqui para não ser indiscreto. Chegamos num momento de necessidade de outra alternativa além das leis de incentivo e da licenciatura. Até quando continuaremos tão desconectados do Ministério do Trabalho? Quantas carteiras profissionais de artistas estão assinadas hoje no nosso país? Muito menos do que a quantidade de artistas autônomos que lutam por não deixarem morrer suas profissões. A Cultura ocupa uma posição entre os 24 MINISTÉRIOS do nosso poder executivo, em 2006 o IBGE junto ao MINC já constataram a existência de 320 mil empresas culturais no Brasil que geram 1,6 milhão de empregos formais, 4% dos postos de trabalho brasileiros. Por que continuamos a receber 0,2% dos 500 a 600 bilhões de reais destinados ao Poder Executivo?
    Por falta de sensibilidade social, os artistas deverão cada dia mais, trocar seus laboratórios de criação por escritórios, no dever de prezar pela dignidade de seus companheiros e futuras gerações?
    Enquanto me deparo com inúmeras respostas banais e até agressivas para esta pergunta, permanecerei defendendo a produção artística como parceira da educação, da saúde, do serviço social e tantos outros departamentos que volta e meia recorrem aos agentes culturais para implementarem projetos de temas transversais.
    Sabemos o quanto a arte é útil ao nosso corpo, à nossa mente, aos nossos laços sociais por estarmos dentro. E com a fé inabalável dos sentidos, continuemos gritando aos quatro cantos: Evoé! Pois em meio a tanto ruído do "progresso", quem não gritar não será ouvido.
    Abraços!

    http://cleniomagalhaes.blogspot.com

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  2. Caro Clênio,
    É tudo um mar de cruéis verdades. Uma das causas para esta tão grande discrepância pode se dar ao fato de que quem administra a cultura, hoje e na grande maioria das vezes, são os próprios artistas, que nem sempre, ou quase nunca buscam embasamento teórico para o ato de se organizar e/ou se mobilizar para determinado fim.
    Sem administração (entenda-se pelo conceito de se organizar a fundo, por meio de planejamento estratégico, fluxograma, conceitos de controle, implantação do sistema da qualidade total... um mundo de possibilidades desconhecidas por muitos artistas), sem isso é difícil progredir.
    Não vivemos mais na época do teatro puramente mambembe e descompromissado. Ele não pode morrer; mas em tese ele não se enquadra mais à dinâmica do nosso mundo contemporâneo. Não somos artesãos de nossas vidas: somos engenheiros delas!
    O sucesso só virá por este “terceiro caminho”, excluindo as leis de incentivo e a licenciatura que você citou, quando cada artista autônomo tiver enraizado dentro de sua mente que ele, enquanto profissional, é sozinho toda uma empresa. E que o bom uso de suas ferramentas de trabalho (seu corpo, sua mente, seu talento, seu existir) é que lhe garantirão sucesso.
    Gritaremos e adentraremos nesta nova era da "Gestão Cultural" da "Economia da Cultura" e outros conceitos tão tardios para muitos e tão "a calhar" para outros, mudaremos este quadro... com informação e formação e ação.
    Mas jamais deixaremos de gritar: EVOÉ!

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